inferno

Em vinte e cinco de dezembro de dois mil e doze foi achada uma carta cujo conteúdo assombrou seus descobridores. Ela era assinada por um desconhecido dos meios poquerísticos: “Ragun-Uts” (seu verdadeiro nome é uma incógnita). Havia nela respingos que se verificou de sangue. Esta interrogação é suavizada na carta. Sua caligrafia extensa e deitada sugere que seu autor a fez tomado de ansiedade ou medo. Naturalmente não possui data. Transcrevo-a literalmente.

“Minha esperança é de que esta carta encontre o seu leitor e este a mostre ao mundo. Escrevo destes ‘paços infernais’ a que os homens chamamos o Inferno. Para tanto obtive de seu Dono a licença. É possível (uma vez que para executar o que chamo de ‘minha tarefa’ transgrido as regras do lugar, a ordem das coisas, e por isto tenho de ser rápido), é possível que meu sangue manche esta página e uma fraqueza se aposse de mim.

“Em vida, fui jogador de pôquer. Venci quase todos os meus adversários. Enriqueci. Tive tudo o que o dinheiro podia comprar. Fiz tudo o que eu queria fazer. Tive carros, casas, barcos, iates, apartamentos. Tive mulheres (e a inconveniência dos filhos). Viajei o mundo como creio nenhum homem o fez. Mas tudo isso me fora ofertado por Lúcifer. Pactuei com um de seus encarregados para ter tudo na Terra. Aqui em baixo sofri (ainda sofro) as consequências.

“Não suportando mais os castigos, acossado pelo desespero, propus ao meu Dono um novo acordo. Jogaríamos, eu e ele somente. Se eu vencesse, estaria livre de suas amarras contratuais, pronto para ascender ao Céu. Se ele vencesse, eu seria seu bichinho de estimação, sujeito a quaisquer caprichos seus, preso eternamente às suas correntes. Mas ele quis uma contraproposta. Eu jogaria com um de seus demônios [cuido que Lúcifer não seja assim tão seguro de si]. Se eu vencesse, teria a liberdade requisitada. Se ele vencesse, sugaria minha alma com uma de suas três cabeças, e a digeriria por longos séculos, e a expulsaria pelo reto, junto aos dejetos luciferinos. Garantiu-me que eu sentiria tudo, até ser evacuado e não mais existir.

“Jogamos. Tenho certeza de que houve trapaça. Mas não posso provar; e nem os anjos de Deus descem a este curral para qualquer intervenção ou análise. Em decorrência disto, serei maculado pela boca infectada de um ser orgulhoso e nefário e esquecido pela humanidade. Porém (eis o motivo desta carta), deixarei ao leitor este aviso, e vencerei meu algoz, e sobreviverei ao nada”.