aliens

Haverá descrença. Não me levarão a sério. Sou poeta, escritor: tenho tendência a fantasiar as coisas, dilatá-las, dar-lhes nova roupagem, remendá-las e fazê-las novas. Mas garanto ao leitor que o fiz (unicamente com minha habilidade): impedi o fim do mundo.

O começo foi por acaso. Eu ia pela ponte que divide Fartura e Carlópolis [onde um caminhão — foi notícia no país inteiro —, ano passado, ficou dependurado], quando, súbito, uma luz em formato cilíndrico surgiu à minha frente e um pequenino ser esverdeado, de olhos cor de prata muito reluzentes, como que sustido por uma corda invisível, lentamente descia no meio dela. Era noite. Nunca acreditei na existência de seres extraterrestres. Inda mais de características tão ordinárias. Mas ali estava um deles. E me propunha um jogo: pôquer. De início não confiei nos meus olhos. Depois, não pude aceitar sua proposta. Por fim, fui obrigado a enfrentá-lo: ele (temi que mais de um) destruiria o mundo, se o não fizesse; único humano, cético e ranheta, naquela ponte, àquela noite. Se o vencesse, a Terra estaria a salvo. Estaria provada a superioridade intelectual da raça humana.

Jogamos. Eu perdia. Lentamente minhas fichas iam passando para o outro lado da pequena mesa oval improvisada (o dealer era um zumbi, isto é, um homem pálido, de olhos entorpecidos, controlado pelo alienígena). Notei que ele, o E.T., sistematicamente olhava uma forma quadrada presa ao pulso, como um relógio. Notei que essa forma lhe dava informações (até hoje não descobri como) sobre meus batimentos cardíacos, minhas transmissões neurais, além de rápidos cálculos percentuais.

Ele trapaceava. Contive uma fúria crescente. Mas ele percebeu. Pois observei naquele rosto sem boca uma ligeira ruga despontar bem abaixo de seus olhos, como se fosse um sorriso. Por um momento paralisei. Que faria? Não havia floors ou diretores a quem reclamar; ao dealer muito menos. Como o venceria? Entendi, nesse momento, que eu havia perdido no instante mesmo em que aceitara jogar. Um estalo, porém, como se uma pedrinha me houvesse atingido a cabeça, despertou em mim uma ideia.

Eu jogava seguro. A aposta era altíssima e eu sentia que devia jogar firme. Imediatamente mudei meu jogo. Passei a jogar contra as probabilidades esperadas, a buscar chances onde ele, meu mais perverso adversário, não tinha interesse, a pensar o oposto de meu próprio entendimento, a imaginar o impossível como uma realidade. Devagar, recuperei minhas fichas (que tinham agora um cheiro de eucalipto e a cor menos viva). Eu confundia o invasor.

Ao fim de aproximadas cinco horas eu vencera. Ébrio de felicidade, dei um murro na mesa, derrubando uma pilha de fichas no chão [o dealer-zumbi caiu como uma tábua]. Vi o pequeno Hulk pender levemente suas faltantes sobrancelhas e levar um de seus três braços às costas. Desistiu, contudo, do que quer que ideasse. Retornou à luz e à nave e partiu. Ainda hoje é possível ver um círculo verde, quase apagado, no meio da ponte.