zumbis

Narrei meu embate contra um extraterrestre trapaceiro que controlava um dealer-zumbi. Disseram-me que eu fumara uma, e das boas. Não posso imaginar o que dirão agora. Anteontem aconteceu-me algo que eu chamaria de “insueto” [para o leitor ver sua infrequência]. Hesitei por um dia se devia trazê-lo a público. Decidi que o mal (eu penso que é bem) já estava feito e que não haveria sequelas em fazê-lo.

A noite (essa deusa solitária e portanto cálida) abrasava os poucos passantes que, não aguentando ficar em suas casas, punham-se em movimento pela praça de Fartura. Eu era um deles. Ocorreu que, quando o zunzum cessou, achei que me encontrava só e olhei à minha volta. O que vi paralisou-me. Cinco homens de aspecto lamentável jogavam cartas. O estranho era que não esboçavam quaisquer reações, não eram exultantes ou malcontentes; jogavam as cartas na mesa com fadiga, como se aquilo que faziam lhes era indiferente ou tedioso.

Acheguei-me com cautela (não sei por que, aquela situação me dava arrepios). Constatei que meu pé ante pé não chamava a atenção deles. Isso me tranquilizava. Avancei com mais segurança e então o horror se fez por descuido. Pisei num pequeno galho que se metia em meu caminho e seu angustiado crec denunciou-me. Os cinco jogadores voltaram-me seus rostos. Pude notar nesse breve momento que num deles a boca era torta, como que derretida (o calor era realmente muito), em outro não havia orelha, em outro faltava-lhe um olho, em outro uma bochecha, em outro o queixo. Em todos uma cor esverdeada, como resultante dum mofo, em todos uns dentes avermelhados (vi depois que era sangue). Eram zumbis. Cuidei que se, lentamente, eu retirasse meu pé de sobre o galho e me virasse eles voltariam a jogar e não se importariam comigo, como se eu não estivesse lá. Mas, como uma aposta errada, eu me enganei; e em segundos vi-me perseguido por cinco bocarras gemedoras.

Disparei. Achei que (como nos filmes) eles seriam lerdos, que sua estupidez não os faria alcançar-me. Entretanto, eu estava errado. Novamente. Quando me dei conta, estava no chão e um deles (foi aqui que percebi o sangue nos dentes; por sorte uma gota caíra em minha blusa) tentava me devorar, fazer de minha pele uma lasca de sua refeição, como um filé mignon na churrasqueira. Como me livrei dele é uma pergunta. Num momento eu estava no chão, no outro sobre a mesa onde jogavam, segurando um 7 e um 2 off. (Ainda sinto-me abalado pelo evento: impido-me [perdoe-me], impeço-me de explicar a razão de meu ato. Tudo que posso asseverar pode ser alcançado pelo desespero).

Os zumbis, então, afastaram-se de mim assustados, grunhindo, como acometidos por uma dor repentina e lancinante. Aos poucos retomei a serenidade. Ainda hoje não sei como tudo aconteceu. Acho que sonhei. (Tenho certeza de que dirão [a criatividade abunda] que fumei umas e outras). Há nesta cidade mais que pacatez.