rumores, provindos da implexa mas arranjada rede internética de comunicação, de um celular que foi tomado pelo Capeta (ai, Jesuis! Cruiz credo! Saravá! Vade retro, Satanás! Sangue de Jesus tem poder!). Se um celular pôde ser tomado pelo Coisa-Ruim (feito, a propósito, que deve ter tido despesas superiores a 7 milhões), vós que me ouvistes não vos espantareis se souberdes de um smartphone precisando de exorcismo, não é?

Pois não vos assombreis: a paródia é verdadeira.

Com a tecnologia ganhando mais asas do que uma cobra poderia ter, tornou-se possível, em nossos tempos, jogar pôquer como se jogava um Game Boy; basta você ter um eletrônico portátil, baixar o software mais famoso do mundo e dar baralhadas no maior número de baralhões que conseguir.

Roberto, amigo de Cláudio, da crônica anterior, fizera isso. Baixara o PS em seu smartphone e começara a jogar cash NL50. Após algumas semanas de modesta presença às mesas, conseguira triplicar seu pequeno bankroll. E estava feliz. Não só botava em prática tudo aquilo que aprendera nos fóruns da vida, nos artigos lidos, nos vídeos assistidos, como também tinha a luz das estrelas sobre si.

Com tal sucesso, imaginava, no futuro, largar a vida logística e se dedicar inteiramente ao pôquer. Sua mulher, quando ele lhe externava esse anseio, olhava-o de soslaio, entortava a boca, franzia o sobrolho, não fazia a comida, não limpava a casa, não lhe concedia favores sexuais, ameaçava deixá-lo.

— Mas, meu amor, dizia ele delicado, eu sou bom nisso.
— Isso, retorquia ela, é coisa do Demônio!

Certa tarde, quando o serviço estava preguiçoso, Roberto, em seu escritório, ligou o smartphone e pôs-se a jogar. Em meia-hora dobrou seu stack.

Tal desempenho o animou; e uma fosca nuvem branca ganhou corpo fora de seu cérebro. Sim: largaria o emprego; viveria do jogo; grindaria os melhores torneios online; competiria nos maiores eventos live do Brasil e do exterior. O cash online seria sua estabilidade. Poderia também jogar uns cashs ao vivo, se divertir nalgum torneio beneficente. Mais pra frente, daria coachs, diminuiria o ritmo dos grinds, formaria uma equipe cavalada. Seria importante, um ás do pôquer nacional e, quiçá, internacional. Joana chiaria, com certeza; mas se calaria assim que visse a piscina nos fundos da casa, da nova e grande casa que ele compraria.

Enfim, recebeu AA. Mas perdeu. Pegou outro AA, em seguida. Perdeu. Um terceiro AA. Perdeu outra vez. O leitor pode imaginar o tamanho da indignação de Roberto.

Coiceou a cadeira. Socou a mesa. Pegou o smartphone nas mãos e gritou como um louco para ele.

Como era possível? TRÊS AA, TRÊS derrotas! Algo estava errado. MUITO errado. Inicialmente, pensou que fosse trapaça do software. “Meus amigos estavam certos: o PS é muito catrupiado”, pensou. Depois, culpou os jogadores que o pagaram, que eram baralhões. Hunf! Donks! Então a única explicação lógica para esse acontecimento fenomenológico lhe bateu na cabeça. Pegou voluptuosamente seu smartphone e foi para a igreja.

— Padre! Padre! Preciso da sua ajuda já!, disse Roberto, aflito, adentrado à casa do Senhor.
— Que houve, meu filho?, perguntou o padre, atônito com aquela súbita entrada.
— É o meu smartphone, padre! Ele foi possuído!

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