Já contei aqui o caso do contador de paradas. Hoje venho contar o do resmungão.
Jogava apenas por divertimento. Mas jogava sério. Era amigo de todos, pois tinha jeito amigável, extrovertido, falastrão. Porém, quando se sentava a uma mesa de pôquer, Cláudio se transformava. Não era grosseiro; não desrespeitava a ninguém; não fumava nem ficava bêbado; apenas resmungava o tempo todo: reclamava de não receber um A, uma boa mão, um par, sequer conectors. Dizia: “Não vejo um par de A faz meia-hora!”. E afundava-se na soturnez da vida, vermelho como um flush de copas. Jogava suas pocket cards com força na mesa, dizendo: “Outra vez?! 92! Assim não dá!”. E o dealer tinha trabalho com ele… Tudo porque estava acostumado a sempre segurar boas cartas, diferente de Raúl Mestre. Para que o leitor tenha uma ideia, numa noite ele recebeu QUATRO pares de A! Catrupiado? Não. Era um torneio honesto, com uma organização e dealers honestos.
Mas então as coisas mudavam. Sua feição se tornava mais branda e os showdowns eram frequentes e alegres. Três AA, dois KK, uma QQ, AK naipado, flush no flop, full na river, straight na turn… Alguém dizia: “Parece que sua sorte mudou”. E ele tornava: “Graças a minha mandinga!”. “Mandinga?”. “Sim. Resmungar. Quanto mais eu resmungar, mais cartas decentes eu receberei”. Se passasse três mãos sem boas cartas, desabotoava ele a sua mandinga.
Pus-me, então, a comprovar sua mandraca; e, por quase um torneio inteiro, fiquei a observá-lo jogar. Procedia da maneira que narrei; e, quando estava em período de seca e mandingava, incrivelmente recebia pares altos, cartas altas, naipadas, trincava, fulava, flushava… Eu ficava boquiaberto. Era impossível vencê-lo quando invocava a Sorte!
Certo dia, porém, não mais rezingou. Suas fichas minguavam e ele perdia o torneio. Todos ficamos surpresos. Eu até tive pena dele. Chegava ao torneio cabisbaixo, sentava abatido, jogava indiferente e ia embora vexado. Aflito, quis saber o que ocorrera.
— Meu caro, o que acontece? Por que está tão desanimado assim?
— Sabe, Rodrigo, disse ele, faz algum tempo eu jogava no PS quando minha sogra apareceu para o jantar e me ouviu resmungando, isto é, fazendo a minha mandinga. Ficou, como você pode esperar de pessoas que não entendem o pôquer como um esporte, espantada e perguntou à minha esposa o que era aquilo que eu fazia. Tendo a resposta, chegou em mim e disse: “Não fica bem um homem do seu tamanho, casado, com uma excelente mulher ao seu lado, resmungando desse jeito por causa de um joguinho à toa”. Tentei explicar-lhe que NÃO era um “joguinho”, e sim um esporte. Mas foi em vão. Aí ela disse: “Vou ficar este fim de semana aqui para ajudar minha filha. Se você não parar com esse resmungo, vou me mudar de vez pra cá”.