“Quem não quer levar bad vai jogar xadrez”, decretou Chris Ferguson.
Apesar de as bads serem “comuns” no mundo do pôquer, não há como não se indignar com algumas que acontecem nos panos da vida, virtuais ou sintéticos. Até mesmo Phil Ivey já se embraveceu um dia com seu oponente quando este lhe deu call de J8 off, acertando um full e vencendo o seu flush. Ora, se ele, que é o cara, pôde se aborrecer com uma bad, por que eu, mero mortal, não posso? Tanto posso como o fiz.
Ultimamente tenho levado bad até no sonho. É bad bonitinha, ajeitada, feia, feiosa, canhão, inacreditável e até impossível, como os filmes do Tom Cruise. Alguns dizem que foi porque eu não fiz a mandinga do Sequela: não enterrei baralho algum. Mas esses já vão direto pro inferno. Porém, esta última foi de amargar. Vi meu par de ases ser quebrado por um Q9 suited que me tirou do jogo no qual eu tinha grandes chances de ser o campeão.
Fiquei furibundo. “Como o cara me paga re-raise com uma mão daquelas no UTG?”, esbravejei indignado. Quase desinstalei o PS. Mas me contive e tentei me acalmar. E consegui. No dia seguinte eu estava calminho, calminho, pronto para mais uma bad. Aliás nem lembrar da bad eu lembrava. Passei o dia tranquilo, feliz. Até a noite.
À noite, fugi da minha estratégia e fui olhar meu OPR. Fazia tempo que não o acessava. Queria ver como andava meu jogo com todas aquelas bads. E para meu infortúnio vi que o baralhão que me eliminou havia cravado o torneio.
Entrei em profunda depressão. A descrença tomou conta de minh’alma. O sol sumira da face da Terra e zumbis gemiam por cérebro. Passei a pensar que pôquer era sorte; e disse de mim para mim que não o jogaria nunca mais. Tamanha foi minha desesperança que nessa noite tive um sonho inicialmente estranho, mas que no fim se mostrou extremamente lógico. E assim conheci a origem de todas as bads.
Sonhei que entrava no reino dos Céus. Não havia morrido. Estava de passagem. Queria contar a Deus umas paradas, em especial uma bad que eu havia levado minutos antes. Logo que entrei nos seus aposentos, “peguei” o tell que seus olhos me passaram. Estes diziam: “Lá vem o desafortunado. Será que ele não sabe que contar bad é chato pra burro?!”. Não só pra burro, pra jacaré e pra urubu também. Mas não quis saber. Eu tinha odds — Ele iria me ouvir.
Contei-lhe sobre as sequências runner runner que quebraram meus pares altos; sobre uma out que bateu na river; sobre aquele call de J6 off que ganhou dos meus dois pares no flop fazendo um flush. Contei-lhe muitas outras, até que, por fim, falei-lhe daquele Q9 suited.
― Eu tinha AA no Botão. Blinds 2000/4000. O vilão abre raise de 3bbs do UTG. Mesa vem em fold e eu dou re-raise pra 36.888 (gosto desses quebradinhos). Ele pensa um pouco e dá call. Flop vem: Q29. Duas de espada. Ele dá check. O pote está em 78.000 mais ou menos. Eu tenho 97.000 pra trás. Sei que ele é baralhão, que, pelo tamanho do raise, deve ter mão marginal e que devo jogar forte em cima dele. Então vou all-in. Ele me dá insta-call e mostra seus dois pares com Q9 suited. Agora me diz: tem lógica o call pré-flop?! E sabe o que é pior? [Deus não sabia]. Ele ainda cravou o torneio! Pode?!
— Pelo visto sim, disse Deus.
(Ele queria me tiltar).
― Meu filho, continuou o magnânimo, bads acontecem. Você tem que analisar o seu jogo, se jogou errado, se se precipitou, se jogou por impulso; se não fez nada disso, se jogou corretamente, não tem que se irritar; tem de manter a confiança em seu jogo, focar-se nos seus adversários, observar suas tendências e aproveitar suas fraquezas para vencê-los. Dessa vez você perdeu, mas no “longo prazo” você será vencedor.
Suas palavras me foram reconfortantes. Um sopro sereno de vida encheu minh’alma de esperança. Senti-me mais animado, ansioso pela vitória iminente.
Então vi que Deus olhava por cima de seus ombros e, com os dedos das duas mãos cruzados, me perguntava, sussurrando:
— Escuta, filho: você se lembra do nick desse oponente que eliminou você?
― Ah, disso me lembro bem, disse eu.
— E qual era, hem, qual?
― “JesusfromHeaven”.