Como todos já sabem, minha monografia trata da legalidade do poker do brasil.
Tenho lido muitos artigos e achei que seria interessante dividir os melhores com vocês.
A partir de hoje. Toda sexta, que é o dia em que posto artigos, vou postar algum relacionado com a matéria jurídica.

Artigos ensinando o pessoal a jogar, etc, já tem em tudo quanto é lugar.
Espero que gostem.
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Poker e o preconceito!

A notícia veiculada hoje no jornal Gazeta Online vinculado ao site globo.com , sob o título: “Perdi tudo no pôquer” não deve causar espanto, nem polêmica e muito menos revolta por parte da comunidade brasileira que se dedica a esse jogo.

Isso porque, se já sabemos que para caracterizar o poker como atividade ilegal, o jogo deve ser enquadrado como “jogo de azar” e para tal enquadramento são necessários critérios claros e objetivos e não foi isso que se discutiu na matéria.

É fato que, na lei brasileira, não há elementos objetivos para a caracterização do poker como uma modalidade dos malfadados “jogos de azar” o que fere, inclusive, o princípio da reserva legal caso se insista em qualificar esta atividade no rol das contravenções penais.

Isso tudo já foi discutido em outras oportunidades quando ainda se mencionou a questão da liberdade individual e os limites para a interferência do Estado na vida privada de seus cidadãos, assunto que também circunda esse tópico e deve ser considerado quando se envolve a vedação de qualquer prática pelo Estado.
Todas essas discussões legais levam inclusive ao argumento falacioso de autoridades que, para autuar alguém por prática de contravenção, por “explorar o poker”, chegam a qualificar a atividade como esporte para justificar a sua repressão!

Sim, acreditem ou não, algumas autoridades entendem que o termo “aposta”, inserido na alínea c do Decreto-Lei 3688/41, refere-se não às apostas em resultados de disputas tipicamente esportivas (futebol, basquete, hockey, etc), atividade essa explorada por muitas empresas no mundo, mas a qualquer situação em que ocorra aposta, inclusive no poker no qual essa ação integra a própria dinâmica do jogo.
E a lei é clara quando diz:

“§ 3º Consideram-se, jogos de azar:
a) o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte;
b) as apostas sobre corrida de cavalos fora de hipódromo ou de local onde sejam autorizadas;
c) as apostas sobre qualquer outra competição esportiva.”
Dessa forma, para autuar alguém que promove cashgame, primeiro qualificam poker como ESPORTE e depois o ato de apostar nas mesas como “aposta sobre competição esportiva”.

Tudo isso para tentar resumir, em poucos parágrafos, a verdadeira situação legal do poker no Brasil.
Paralelamente temos casos episódicos como a notícia trazida no jornal online citado e, o que pior, algumas manifestações extremamente preconceituosas emanadas de órgãos oficiais.

Uma abordagem irresponsável do problema foi trazida na Justificação do projeto de Lei nº 270/03 do Deputado Mendes Thame que visava proibir o jogo de Bingo em todo o território nacional:
Os artigos da Lei Pelé (9.615/1998) que permitiam o funcionamento das casas foram revogados pela Lei 9.981/2000. Como as autorizações que eram concedidas pela Caixa Econômica Federal a parti de 31 de dezembro de 2002, nenhum bingo possui mais alvará de funcionamento.

A situação é grave. Quem a resumiu com acuidade foi o jornalista Luiz Nassif, no artigo “O destruidor de famílias”, publicado na Folha de São Paulo, do qual reproduzimos alguns trechos:
“Em São Paulo, a senhora A recebe mensalmente a pensão do marido e corre imediatamente para um bingo. O dinheiro desaparece em uma tarde. Depois ela corre atrás de parentes, amigos, querendo dinheiro emprestado. O vício arruinou seu casamento e sua carreira. Não consegue parar em nenhum trabalho. Os filhos, adolescentes, passaram a trabalhar para ajudar no sustento da casa e dos estudos. A senhora B era administradora bem-sucedida, mãe de uma filha que criava sozinha, com dignidade. O vício em bingo a fez, primeiro, perder o apartamento em que moravam, depois, a carreira. A filha, quase adolescente, passou a trabalhar para sustentar os estudos. Em Ribeirão Preto, a senhora C pode ser vista diariamente no bingo, em uma máquina de nome Turbo onde cada aperto de botão custa R$10, dura dez segundos e equivale a uma rodada de bingo. Quando o dinheiro acaba, ela dá um cheque para descontar. Enquanto se desconta o cheque, ela pega dinheiro emprestado com o vizinho, para não parar o vício”.


Nessa linha tivemos até mesmo uma verdadeira reprodução de lei restritiva americana, conhecida como UIGEA, no que chamamos de UIGEA brasileiro.
E, assim, justifica o interesse social na proibição desse jogo de azar, tendo sido tal projeto rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara em parecer de setembro de 2009.

É claro que em momento algum se pretende comparar o poker com o bingo já que são atividades absolutamente distintas, sendo que, a principal diferença é que enquanto o jogo de cartas não pode ser considerado jogo de azar, o bingo se mostra uma espécie dessa modalidade vedada e ocorria no país graças a permissões, decisões judiciais e outras medidas que viabilizaram sua popularização no Brasil.

O ponto aqui é que, mesmo em se tratando de atividades completamente diferentes, podemos notar a semelhança nas histórias narradas tanto pelo jogador compulsivo de poker quanto pelas jogadoras compulsivas de bingo. Nem precisamos dizer que a tal semelhança se trata do distúrbio que essas pessoas sofrem, demandando tratamento, e cuja presença não possui nexo de causalidade com os jogos em si.
A válvula de escape de um distúrbio não é, e nunca será, o distúrbio em si mas apenas um efeito ou conseqüência dele.

Assim, é inegável que existe uma grande diferença na atividade que pode ser objeto de compulsão de alguém (quase todas as atividades humanas) e outra que tem potencial de adição assemlhado à dependência de drogas.

O que temos são pessoas vulneráveis, verdadeiros doentes e que necessitam de ajuda, cometendo erros decorrentes das suas próprias condições (quer sejam físicas ou emocionais), e “virando notícia” e até exemplo por conta disso.

De fato as abordagens sensacionalistas de casos reais e extremos podem gerar a revolta daqueles que entendem o poker como atividade legítima, que depende primordialmente da habilidade do jogador, que envolve estudo, observação, disciplina, controle emocional e financeiro(bankroll) e até mesmo o equilíbrio pessoal.

Por isso destacamos tais elementos em muitos artigos neste espaço pois a teoria do poker é muito mais vasta do que a lista dos casos que envolveram este jogo e a compulsão no mundo. O que se defende é que muitas outras atividades permitidas podem causar dependência e nem por isso são proibidas. São e devem ser controladas, regulamentadas, mas não proibidas. Este é o caso do álcool, por exemplo. Há quem use a substância compulsivamente (etilistas), há irresponsáveis (motoristas bêbados) mas também há cidadãos responsáveis que usam a substância e não têm perdas na sua vida social ou profissional por conta disso, já que não são propensos a tal comportamento obsessivo.

O mesmo ocorre com os jogos, com as compras, com a estética, quando falamos em jogadores compulsivos, compradores viciados e até mesmo anoréxicos terminais. Fica claro, nesse caso, que o problema não são os jogos, as lojas e o desejo pelo corpo perfeito que causam desastres, mas a maneira como cada pessoa se envolve em cada uma dessas situações. Nesse caso, os compulsivos, verdadeiros dependentes, protagonizam as piores histórias que se possa imaginar, o que, obviamente, não faz delas a regra mas confirma seu caráter excepcional.

Dessa forma, não se deve negar que essa realidade existe mas, ao mesmo tempo, ficam as perguntas: os tais “jogadores anônimos” representam qual parcela do total de pessoas que se dedicam ao mesmo jogo? São eles maioria? Minoria? Quanto?

A própria matéria jornalística comentada aqui trouxe uma ressalva no tocante à compulsão pelo jogo reproduzindo a opinião de psiquiatra estudioso de tal anomalia:
“Propensão No entanto, é importante destacar que nem sempre o hábito do jogo representa um vício. De acordo com o psiquiatra Ailton Vicente Rocha, apenas algumas pessoas são propensas a ter um comportamento obsessivo. “Nesses casos, basta jogar uma primeira vez para não conseguir mais se livrar do hábito. No entanto, quem não tem propensão ao vício, pode jogar quantas vezes for que isso não se transformará em uma doença”, diz.”

Note-se que não é o caso de negarmos tais ocorrências mas mostrar que o poker não se resume a tais histórias trágicas ocorridas com pessoas que já possuíam uma condição prévia que as levaria mais facilmente à compulsão e à obsessão.

Brilhante a abordagem de André Akkari a tal respeito, quando entrevistado pelo Juca Kfouri Sendo que, na parte 3, a partir dos 4:30 minutos, especialmente, ele discute os problemas reiteradamente relatados que envolvem a compulsão pelo jogo podem normalmente levar a tragédias pessoais.

Enfim, a indefinição legal trazida pela ausência de proibição ou regulamentação expressa do poker, a falta de informação, o preconceito e históricos trágicos envolvendo a palavra “jogo” em geral, também divide espaço com ações responsáveis, positivas e informativas quando o assunto é o poker no Brasil.

Bem, o fato é o mesmo de sempre, “enquanto os cães ladram a caravana passa”, e segue o jogo com abordagens positivas, negativas, neutras e grandes conquistas brasileiras nesse período como os dois braceletes de Alexandre Gomes, a transmissão do BSOP na ESPN e o programa Poker das Estrelas que estréia hoje!

Tudo isso nos leva a parabenizar todos os envolvidos no poker brasileiro, que realizam trabalhos sérios, responsáveis e sólidos, apesar de todos os obstáculos e barreiras e, tais conquistas são as maiores razões para que as matérias sensacionalistas e tendenciosas não abalem os ânimos de todos e cada um de nós que defendem a legitimidade dessa nobre arte!

Fonte: PokerBrasileiro