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Meu encontro com Norberto foi meio que por acaso. Eu jogava um torneio regular num clube que frequentava quando precisei ir ao banheiro. No caminho esbarrei nele, que investigava alguma fraude no recinto. Desde então passamos a nos comunicar regularmente e assim tomei conhecimento de sua mente extraordinária. Posso dizer que, com o passar dos anos e dos casos a que tomamos parte, criamos entre nós certo ligame fraternal, o qual nos forjou uma relação de extrema confiança.

Na época que o conheci, ele já era famoso entre os diretores e organizadores de torneios de pôquer, muito por seu jeito excêntrico de ser, mas especialmente por sua capacidade lógico-dedutiva de resolver os mais intrincados mistérios que se lhe apresentavam.

De todos os singulares casos que meu amigo participou, o do “Baralho vermelho” foi o mais simples e o mais hilário também. Aconteceu em agosto de 2011. O evento em questão era o famoso Brazilian Series of Poker.

Não me recordo em qual dos eventos surgira o caso, nem em qual dia. Sei apenas que em determinado momento um dos dois baralhos (o vermelho) que os dealers costumavam usar para trabalhar desapareceu. O dealer responsável, assim que entrou na mesa, deu por isso. Floors e diretores foram chamados. O jogo foi paralisado e a investigação teve início. Um dos diretores, um pouco exaltado, inquiria os 10 jogadores sobre o sumiço daquele material; outro perguntava aos garçons e às massagistas se não o teriam visto nalgum lugar; outro, junto com os floors, procurava-o pelo chão, debaixo da mesa e até, disfarçadamente, junto a algum jogador.

Mas, nada. Resolveram, então, chamar o meu amigo; e eu, é claro, o acompanhei.

Assim que chegamos ao local, tomamos ciência do caso e meu amigo, antes que nós mesmos nos puséssemos a perscrutar o local, como é seu costume, quis saber dos detalhes, tais como: a que horas foi observado o desaparecimento do baralho, de que cor era, que dealer o observou, em que momento ele o fez, se algum garçom àquele instante servia a algum jogador, quantos participaram da busca após se notar o sumiço do objeto; e ainda: a organização e manutenção de um torneio, os procedimentos para a sua realização, como eram coordenados os dealers, quem os coordenava, em quantos eram e qual o método habitual para revezá-los.

― Senhor Ramos [este era o seu sobrenome], disse um dos diretores, não quero pressioná-lo, mas é de crucial importância que achemos esse baralho o mais rápido possível, pois…

― Não se preocupe, Devanir, interrompeu-o meu amigo, juntando os dedos das duas mãos defronte da face, eu já resolvi o caso. O rosto de Devanir se abriu num clarão de felicidade e surpresa. Só preciso saber mais duas coisas, continuou Norberto. Para que serve aquele cartão que o dealer está preenchendo?

― Aquele cartão é chamado de “down card”. Ele registra a que hora o dealer entrou à mesa.

― E todos eles o guardam no bolso de seus coletes junto com os baralhos?

― Alguns o deixam em cima da mesa.

― Muito bem. Creio que já tenha toda a informação possível para a resolução deste curioso caso. Foi à mesa em que tudo ocorrera e tirara do bolso do colete do dealer o cartão a que aludira e, marcando com o dedo o nome “Juliana” rabiscado nele, disse: ― Chame-a, Devanir, e encontrará o seu baralho vermelho no bolso esquerdo do colete dela.

Já dentro do táxi, retornando ao apartamento que dividíamos, perguntei a Ramos como ele pôde deduzir com tanta presteza e astúcia a localização exata do baralho perdido. E ele me disse:

― É elementar, meu caro Matos. Se, como nos disseram, o baralho não estava em lugar algum daquela sala (e nós mesmos fomos testemunhas disso), logicamente ele só poderia estar em posse de alguém que o manuseara momentos antes; e quem o fizera senão aquele (ou aquela, como se mostrou mais tarde) que antecedera nosso caro colega que notara seu desaparecimento? Bastava, então, saber quem era essa pessoa e o baralho reapareceria. Mas como saber disso, se havia mais de 90 dealers trabalhando? Foi aí que atentei para aquele dealer que registrava sua entrada na mesa no tal “down card”. Fui àquela onde se perdera o baralho e tomei de empréstimo seu respectivo a fim de ver qual era o penúltimo nome ali marcado.

―Penúltimo? Não devia ser o último?

― Ora, meu caro Tom, você não está pensando direito. Se eu olhasse o último nome ali registrado só encontraria o mesmo dealer que deu pela falta do objeto. Era óbvio, portanto, que eu procurasse por aquele que o precedera.

― Você disse que o baralho só poderia estar em posse daquele que o manuseara anteriormente. Como sabia que era um dealer? Não poderia ter sido qualquer jogador que pegara o baralho e dera cabo dele?

― Não, pois os fatos foram bem claros. O dealer que entrava deu pela falta do material no mesmo instante. Não houve tempo suficiente para que alguém o furtasse. E podemos imaginar que se alguém intentasse fazê-lo enfiando a mão no bolso do colete da jovem ou, como nos informou Devanir sobre os hábitos dos dealers, tomando-o de sobre a mesa, ela com certeza notaria. Portanto…

― Vendo assim, agora tudo fica óbvio. Só não sei como você pôde saber em que bolso estava o baralho.

― Quando peguei o “down card”, notei que o nome “Juliana” estava ligeiramente deitado, como que em itálico. Ela provavelmente, ao escrever seu nome, deitara levemente o corpo sobre o cartão, produzindo, assim, o efeito observado. Um destro não poderia gerar o mesmo, inda que deitasse seu corpo como ela o fizera. Além do que, os outros materiais de trabalho estavam no bolso direito do dealer masculino, que era destro, como tive a ocasião de notar. Portanto, a nossa Juliana só poderia ser canhota.

― Incrível! Mas por que será que ela pegou o baralho? O que ela ganharia com isso?

― Não creio que tenha sido proposital, meu caro Matos.

― Acha que ela não percebeu que ele se encontrava em sua posse?

― Creio que não.

― De qualquer forma, trabalhará um pouco mais que os outros, segundo entreouvi.