Durante o LAPT Rosario, o SuperPoker finalmente conheceu Gustav Langner, o “Raposa Felpuda”. Formado em Direito, fanático pelo Coxa , o jogador de 28 anos de idade é o terceiro brasileiro mais bem colocado no ranking do Pocket Fives, o mais respeitado do mundo, ficando atrás apenas de Caio Pimenta e João Mathias. Atualmente em 215º, Langner já chegou a ocupar a 177ª posição. Segundo o próprio Pocket Fives, ele soma quase $800.000 em prêmios no Full Tilt (“Raposa Felpuda”) e no PokerStars (“langnerctba”).

Apesar do nome de “general russo”, com um nick desses já era de se esperar que o craque do online fosse, no mínimo, uma pessoa com senso de humor. E, realmente, a simpatia deste curitibano cabeludo de cerca de 1,90m é facilmente percebida: mesmo eliminado minutos antes no torneio argentino, o “Raposa Felpuda” aceitou, com sorriso no rosto, falar com o SuperPoker sobre sua carreira, suas conquistas, o Direito x Poker, sobre como o dinheiro de sua primeira forrada sumiu do Full Tilt e também sobre seus planos para o futuro.
Confira:
SuperPoker: Afinal, de onde surgiu o “Raposa Felpuda”?
Gustav Langner: Cara, na verdade começou como brincadeira. Jogava com a turma e tal. Não sei se você sabe, mas “raposa felpuda” é uma expressão, no nordeste usam bastante. É aquele cara mais “veiaco”, tipo os coronéis lá. O pessoal fala: “aquele cara é uma raposa felpuda”. É o malando e tal. E nos home games a gente brincava com isso. Aí comecei a me destacar nessas brincadeiras com o pessoal, e eles começaram a me chamar de “raposa felpuda”. Então, quando fiz minha conta no Full Tilt, nunca imaginava que tomaria a proporção que tomou, fiz pra brincar mesmo, então coloquei pra tirar sarro com a turma, pra ser engraçado mesmo. Mas agora gostei, porque ficou uma coisa original, e acabou ficando um apelido. É um tal de “Raposa” pra cá, “Raposa” pra lá. Porque Gustav o pessoal não está acostumado, né?
SP: Quando as coisas começaram a ficar mais sérias?
GL: Cara, sempre gostei de poker. Eu jogava o 5 card draw em casa, meu pai me ensinou. Jogava canastra, caxeta, poker, tudo brincadeira de família. Aí, em 2005 ou 2006, um amigo me apresentou o Everest Poker. Ele disse que a gente poderia jogar de graça nas shastas [um tipo de sit & go feeroll], e ainda podia ganhar dinheiro. Eu fiquei “neurado” naquele troço, jogava as shastas que nem louco. E era Limit Holdem, né? Fiz 200 dólares nessas mesas.

Nunca tinha lido nada, nem sabia que existia literatura sobre poker. Eu chegava em casa depois da faculdade e ia direto para o computador. Aí veio um dia em que eu tinha tomado umas cervejas a mais, cheguei em casa, entrei em mesas mais caras e perdi meus 200 dólares. Então voltei a jogar nas shastas, por brincadeira. Até que em um home game, um amigo falou “cara, tu joga bem. Você tem leitura, você é diferente dos outros da turma”. E ele me falou sobre o Full Tilt, que era bem melhor que o Everest e tal, que tinha mais torneios…
Isso aconteceu lá por 2007. Mas eu sempre fui receoso com o negócio do dinheiro. Achava que não conseguiria sacar o dinheiro. Aí falei que não ia colocar dinheiro meu naquilo. Eu era estagiário, ganhava só um salário mínimo. Mas aí ele disse que me emprestava $30, e disse: “me paga quando puder, mas tenho certeza que você vai entrar lá e ganhar”. Aí eu aceitei.
SP: E ganhou?
GL: Fiz 300 dólares em uma semana, jogando sit. Aí o olho cresceu, né? Então, no Natal de 2007, dei minha primeira forrada: ganhei $4 mil. Isso no Natal, logo depois da ceia! Fiquei muito animado, queria desenvolver meu jogo e tudo mais. Logo depois, fui viajar no ano novo, e no dia 5 de janeiro voltei para Curitiba, abri minha conta do Full Tilt e ela estava zerada. Tinha sumido todo o meu dinheiro! Mandei email pro suporte, e eles me explicaram que eu tinha entrado em uma mesa de cash game e tinha perdido tudo. Falei que não podia ser eu, porque eu só jogava SnGs baratos e não jogava cash, e que estava no litoral passando férias, e fiquei alguns dias sem acessar a conta.

Mas os caras disseram que não podiam fazer nada, que alguém podia ter descoberto minha senha e passou o dinheiro para outro malandro no cash. Aí falei para procurarem o cara que ganhou o cash de mim, porque ele era o verdadeiro malandro. Mas eles disseram que não tinham certeza se era eu que tinha jogado, e num tinham o que fazer. Aí falaram que era assunto encerrado, e que não responderiam mais meus emails.
Quebrei, não tinha grana, e acabou aquele meu começo legal. Fiquei muito chateado. Mas daí aquele mesmo amigo, o André Peruca, falou: “cara, do jeito que você conseguiu da primeira vez, você vai conseguir de novo”. E me emprestou mais $30 pra recomeçar. Com esse dinheiro, montei o meu bank novamente. Mas sabe, esse episódio me deu força pra continuar. Me fez achar que esse negócio era pra mim mesmo, entende?
SP: Quando você largou o Direito? Ainda advoga?
GL: Me formei em 2004, advoguei até 2008, mas a essa altura percebi que fazer as duas coisas ao mesmo tempo estava me atrapalhando. Em ambas. Porque a advocacia depende de muito estudo, e você também tem uma grande responsabilidade. Você cuida de casos muito importantes para a vida das pessoas, tanto pessoalmente como financeiramente.

Então eu achava que não era honesto da minha parte fazer isso sem estar 100% entregue. E ao mesmo tempo estava me atrapalhando no poker, porque eu queria jogar mais, viajar, queria me desenvolver mais. Eu tinha uma sociedade com amigos, e falei que ia sair. Eles aceitaram numa boa, me deram toda a abertura e disseram que seu eu mudasse de ideia, meu lugar estaria lá. Eu até me achava um bom advogado, era muito esforçado, acho que tinha futuro. Não era pra agora, mas quem sabe futuramente eu volte a advogar. Porque o poker é muito estressante né, a rotina é pesada.
SP: Se sente mais feliz jogando poker?
GL: Não é que eu não goste do Direito, acho muito legal. Mas o trabalho em si é muito maçante. A máquina é corrupta e mal qualificada, e você tem que ser, sobretudo, ético e honesto. Isso para mim sempre foi básico. Não quero passar por cima de ninguém para ganhar dinheiro. Não vou forjar um documento. Mas, infelizmente, o advogado está sujeito a essas coisas. Porque o cliente cobra: “Pô, mas você não vai resolver o problema? Não conhece ninguém lá de dentro, pra gente resolver de outra forma?”. Isso nunca me agradou, mas existe muito. Adoro o Direito, mas não gosto desse clima. Talvez quando for mais velho, com outra cabeça, talvez com uma condição financeira que me permita não pegar qualquer caso, escolher casos bons, aí acho que posso voltar para o Direito.

Mas hoje em dia não, sou super feliz com o poker. Não tenho chefe, nem cliente, faço meus horários. É bom. Acontecem essas barbaridades aí [citando a mão que o eliminou do main event em Rosario…], ou a gente dá aquela quebradinha online, mas volta. Como toda profissão, tem altos e baixos.
SP: Quais torneios você costuma jogar
GL: Jogo de 8h a 10h por dia. Jogo MTT. Mas comecei com Sit & Go, era um regularzasso do Sit. Cash eu já joguei, mas perdi muito. Então parei. Eu pedi até pro PokerStars e pro Full Tilt bloquearem minha conta para o cash. Joguei muito sit mesmo. Era um regular nos valores de $60 a $100, às vezes $200, as vezes de $30. Mais 6-max, mas também jogava uns fullring. MTT eu achava que demorava demais, e no Sit eu abria quatro ou cinco mesas, o dinheiro vinha e pronto.

Aí me classifiquei para Punta del Este em um satélite, e lá conheci o mestrefilipe, o Amarula. Já conhecia eles, mas queria ter mais contato com os caras. O Alê também. E hoje a gente é parceiro. E isso me ajudou muito no MTT, porque eu fazia as sessões com o “mestre”, e isso me ajudou a reforçar muitos conceitos. E hoje só jogo MTT. Volta e meia jogo um sitzinho ali, gosto muito daquele SuperTurbo do Full Tilt. Aliás, este ano estou muito para trás nesse. Runnando mal pra burro, mas é igual cachaça, gosto muito daquela parada.
SP: Você prefere ao vivo ou online?
GL: Online.
SP: E como é a sua sessão no dia-a-dia?
GL: Costumo começar lá pelas 14h, 14h30, ali no $100 regular do PS, e acho que o $55+R do Full Tilt. Aí vai. Jogo bastante os de $24, que tem field grande e, se você chegar na reta final, o nível é menor e você tem mais chances de cravar. E às vezes um desses é que salva a sessão. Se jogar os de $100, $200, $162, ou o Nightly, o field é mais forte no final.

Então eu começo às 14h e vou embora. Aí, se vejo que o dia está meio ruim, não só com as cartas, mas se vejo que estou meio impaciente, tipo leva uma bad beat aqui e já atola um outro torneio ali, confunde as bolas, sabe? Aí eu paro. Vou fazer outras coisa, vejo uma televisão e tal.
Senão, vou embora, vou até 1h da manhã, mais ou menos. Engato nos regulares até as 18h e a partir daí engato nos turbos. Aqueles turbos de $200 do FT, $55 turbo, o $109 turbo do PS às 21h. Se estiver me sentindo bem, engato o Nightly, um Super Tuesday. E no domingo também. Engato no Sunday Warm Up e vou até o Second Chance.
SP: Você é disciplinado? Como administra seus horários? Tem dias de folga?
GL: Sou super indisciplinado (risos). A minha ideia era jogar domingo, segunda, terça e quinta. Queria deixar quarta, sexta e sábado tranquilo. Acho isso legal. Na quarta dá uma quebrada, e eu aproveito e jogo futebol com uma turma toda a quarta à noite. Sexta e sábado dá para aproveitar o final de semana, e domingão a reta pesada pra já engatar segunda e terça também.Só que eu gosto muito do jogo (risos).

Então, às vezes estou naquela sexta-feira ali, e não quero sair, estou sussegado em casa, e acabo engatando. Sábado é a mesma coisa. Sei o que quero fazer, mas acabo jogando mais do que planejo. Os SuperTurbos, por exemplo, as vezes dá 4h da manhã to engatado naquela coisa, mas devia estar descansando. Aí o povo reclama, namorada reclama porque tenho pouco tempo, os pais reclamam que não paro de jogar e tal. Ainda estou me disciplinando, aprendendo a ser menos fominha.

SP: Você falou da família. Todo o jogador de poker no Brasil passa pelo momento de provação com a família. Você disse que até jogava com seu pai o 5-card, então como foi isso para você?
GL: É, eu jogava com meu pai, mas era tudo brincadeira, 5-card draw, né? Ele nunca imaginou sair disso. E no começo eles não gostaram, tinham aquelas desconfianças básicas: “Ah, esse negócio é pra pegar trouxa”, ou “o dinheiro nunca vai vir”… primeiro essa desconfiança do próprio jogo mesmo, e também porque eu era formado, era sócio de um amigo de infância do meu pai, e meu pai falava: “Poxa, o Oscar sempre fala bem de você, que você é muito bom advogado, que vai pra frente no Direito…”. Essas coisas, né?

Só que com o tempo eles foram vendo que não adiantava, que sou assim mesmo e que num tinha jeito. Eu falava pra eles: “olha, eu sei, mas é um risco que estou tomando na minha vida, e vocês tem de aceitar”. Aí, com o tempo, eles foram vendo os resultados e ficaram mais tranquilos. Hoje em dia me apóiam totalmente. Meu pai sempre quer saber como foi o torneio, se bobear tão lá querendo saber se eu já caí aqui. Minha mãe acende até vela pra eu ir bem.
SP: Quais são seus principais resultados?G
L: Fiz um deal no Super Tuesday em que apareço em terceiro, mas puxei a segunda maior quantia. Peguei terceiro em um FTOPS de Omaha Hi/Lo em que o Johnny Bax ficou em primeiro. Cravei duas vezes o $100+R, cravei duas vezes o $320 do PS, aquele de sábado. E acho que é isso.
SP: E live? Já foi para Vegas?
GL: Olha, nunca fui para lá. Mas no ano que vem quero ir. Quero jogar o Main Event de $10.000 e ir com mais uns $10.000 ou $15.000 para jogar os paralelos. Essa é minha ideia, ir com $20.000 ou $25.000. Já disputei os LAPTs de Punta e Mar del Plata no ano passado, e fiquei a três da bolha nos dois. Uma droga (risos).Live é complicado, porque no online você cai e abre outra mesa, e aqui não. Esse ano joguei em Floripa, onde joguei mais solto, e acabei caindo numa jogada meio arriscada onde forbetei o cara e ele tinha. Também jogo os BSOPs, só as etapas de Curitiba e Floripa, não vou para São Paulo e Rio não. E meu melhor resultado live foi 12º em Floripa.

Ah, joguei também o APPT das Filipinas. Foi demais! Acho que foi a melhor viagem da minha vida. Fui sozinho, sem saber o que esperar, e foi show. São mais de sete mil ilhas, e o cassino fica em uma delas. As praias são sensacionais, conheci um monte de gente. Fiz amizade com uns americanos e uns holandeses, os caras viram que o brasileiro aqui tava sozinho e meio que me adotaram, aí fomos mergulhar, fizemos um monte de coisas. Foi muito maneiro. E depois ainda aproveitei e fui para a China, fiz turismo e tal. Mas no torneio mesmo, caí no primeiro dia. Deu tudo errado, mas a viagem foi sensacional.
SP: E para o restante da sua carreira? Quais são os planos? Sonha com patrocínio?
GL: Olha, o MTT online começou a dar muito resultado para mim nos últimos tempos. Então estou muito animado. Quero pegar pesado no MTT online e tentar puxar dinheiro. Aí, se conseguir vagas via satélite, ou se eu estiver muito bem e puder bancar as viagens, aí eu faço. Mas vou focar no online mesmo. Essa vaga aqui [LAPT Rosario], por exemplo, é cereja do bolo para mim. Se rolar, legal.

É claro que tenho interesse em patrocínio, mas sei que rola mais para o cara que joga live. Aquela forrada live pode abrir as portas para um patrocínio. Tenho consciência disso e busco isso também. Mas ainda não posso rodar o circuito porque ia estourar meu bankroll. Então vou aos pouquinhos. Mas a ideia é essa, rodar o mundo jogando poker, e seguir ganhando.
SP: O que mais te atrai no jogo de poker?
GL: Você joga contra outras pessoas, então tem aquele lance da vitória, da competição. Gosto de esportes em geral, gosto de futebol, mas também gosto de ir no jóquei clube também. Já acertei duas quadrifetas! Isso tudo me atrai. Mas acho muito legal o poker porque é um esporte de cavalheiros. Todos sabem o quão difícil é ganhar, então tem aquilo de o cara elogiar uma bela jogada sua e tal. E é tudo sutil e comlpexo. Porque você joga contra o jogador, e não com as cartas. Você tem que buscar uma teia de informações que faz a coisa ser muito interessante. Você sempre precisa se desenvolver e melhorar.
SP: Para você, poker é esporte?
GL: Com certeza, cara. Tem uma dose de sorte, mas todo esporte tem. Às vezes a bola bate nas duas traves e não entra, não é? Às vezes o teu goleiro é um baita goleiro, nunca frangou na vida, mas chega na final e franga. A mesma coisa aqui. Na última mão, bate no river. Porque você depende de vários fatores.Acho que tem muito preconceito porque é jogo de baralho. O baralho sempre foi visto como coisa de azar, porque é muito visto em cassino. Se o poker não tivesse se desenvolvido nos cassinos, acho que até seria muito mais bem visto.

Mas está cada dia melhor, hoje em dia é muito mais bem visto. Existem revistas, fóruns, sites… Você já viu alguma revista de roleta?As pessoas discutem em fórum, alguém fala que jogaria de um jeito, o outro fala de outro, e você fica na dúvida de qual seria a melhor jogada. Porque o poker é muito complexo. Isso não pode ser jogo de azar. E se não fosse jogo de estratégia o Phil Ivey não seria campeão todo ano. E o Alê [Gomes] não teria puxado os dois títulos [WSOP e WPT].

Fonte: Superpoker