psicose-14

Era uma fria noite de maio a noite que escrevi estas letras. Escrevia enquanto tentava falar com minha esposa ao celular. Odeio “caixa postal”. Desisti com veemência da ligação. Concluí este crime (sem ainda ter sido pego por nenhuma autoridade) e fui tomar banho. Um torneio de pôquer esperava pelo meu dinheiro.

Para que o leitor veja alguma graça no fim desta história (ou este texto será um fracasso total, mais ou menos como aquele torneio), é necessário que eu lhe diga que o toque do meu celular, para qualquer um que me ligue (incluindo a minha esposa), é o famoso áudio de “Psicose”, de Hitchcock. Dito isto, tenho de registrar que, tendo desistido de falar com minha esposa ao telefone, cuidei ter deixado meu celular no quarto ao seguir para o banho.

Durante essa minha agradável limpeza corporal, meus pensamentos voaram para fora do box: foram encontrar-se com o barulho das fichas quando se chocam, das cartas quando estaladas, das malditas bads, dos malditos donks, que fazem meu rosto cada dia mais verde [sim: como o Hulk], do blefe insano que eu pretendia passar nos fishes da minha mesa.

Estava neste último pensamento quando aquele barulhinho lancinante (a imagem e o áudio casam perfeitamente, não?) do citado filme emerge de dentro do banheiro num crescendo aterrorizante. Arregalei os olhos (na minha elevada inteligência achei que essa reação enxotaria meu inexplicável assassino). Para dar mais drama e colorido à cena em preto-e-branco, a cortina do box agitou-se (sim, sim: o vento, aquele deus travesso), um braço delgado e branco ostentando um metal de prata reluzente atravessou-a. Não quis ver meu fim. Gritei desesperado: “Eu foldo! Eu foldo!”.

Minha esposa assustou-se com meu susto. Carregava no braço uma pulseira de prata. Você está louco?!, um expressão carinhosa da parte dela.

**

Como o leitor pode facilmente perceber, este crime foi quase totalmente alterado para dar a si esse último som oco de minhas fichas. A partir de agora, acabou-se o que era doce: blefe — nunca mais!