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Aumentam as apostas

Pôquer cresce em Minas, no país, em número de jogadores e valores. Desafio agora é vencer o preconceito

É preciso entender o que está por trás do anúncio, no início de abril, de Ronaldo Nazário, o Fenômeno, sobre a prática de uma nova modalidade de esporte em sua carreira, o pôquer, e a parceria com o maior portal de aposta on-line do mundo, o Pokerstars.net. Em primeiro lugar, dispa-se de qualquer preconceito – pôquer não é jogo de azar, é reconhecido pelo Ministério do Esporte e pela conceituada Associação Internacional de Esportes da Mente (Imsa, sigla em inglês), como um jogo mental, que depende da habilidade, criatividade, perspicácia e inteligência do jogador. Ele exerce paixão sem precedentes nos seguidores – uma relação passional mesmo. A cereja do bolo para quem o leva a sério é a possibilidade de ganhar milhões nos torneios ao vivo e on-line.

Como não é regulamentado no país, é difícil falar em números brasileiros, mas o maior torneio, o Brazilian Series of Poker (Bsop), com oito etapas e a final, o Million, teve premiação de 2 milhões de reais em 2012 e ficou entre um dos maiores do mundo. No World Series of Poker (Wsop), este, sim, o maior e que ocorre em Las Vegas, são mais de 100 milhões de dólares. Brasileiros chegam a ganhar mais de 100 mil reais em um único torneio on-line – alguns jogam mais de 100 torneios diários. O esporte salta em alguns dos maiores estados do país, Minas incluído como celeiro de alguns dos grandes talentos do pôquer do mundo.

Porém, para chegar aos 4 milhões de jogadores no Brasil, ter Ronaldo como garoto-propaganda, e torneios regionais cada vez mais profissionais e com prêmios interessantes, o pôquer não para de passar por transformações. E é um menino frente às possibilidades de evolução. Há alguns anos, a briga era contra aqueles que teimavam em classificá-lo como jogo de azar e por certa constância em batidas policiais que fechavam casas sob esse argumento. Nesse embate, a royal straight flush a favor do esporte – já que estamos falando de pôquer, vamos buscar como é chamada a melhor mão – veio de um jurista, o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr., que classificou o jogo como de habilidade. Outras avaliações e pareceres fizeram coro com o de Reale Jr. , como as do Instituto de Criminalística de São Paulo, do perito Ricardo Molina, além de decisões judiciais favoráveis, reforçados pela inclusão do pôquer como esporte da mente pelo Ministério do Esporte.

“Passamos de uma época em que tudo que era feito escondido, encarado como ruim, ilegal, pelas autoridades e sociedade, quando o mercado de pôquer não existia. Agora, nosso maior objetivo é mostrar que ele é um esporte da mente, que permite a sociabilização, o desenvolvimento, a atividade saudável”, afirma Alberoni Castro, diretor-executivo da Confederação Brasileira de Texas Hold’em (CBTH).

Na segunda onda, recentíssima, algo em torno de três anos, foram abertos grandes clubes no Brasil e criados os maiores torneios. Foi a fase da profissionalização e da evidência de alguns jogadores brasileiros considerados brilhantes como André Akkari, Alexandre Gomes, Caio Pimenta, Caio Peçanha, que chegaram a ganhar, separadamente, alguns milhões de dólares em torneios nacionais e mundiais. A aposta para a terceira onda, ainda por vir, é que grandes marcas passem a patrocinar o pôquer brasileiro e o esporte seja tão popular como o MMA. “O pôquer não tem fãs, mas milhões de praticantes. Acho que aí está a grande diferença”, explica Filipe Souza, diretor do Sierra Poker, considerado o maior e mais estruturado clube de Minas e um dos grandes do país. O Sierra é visto por especialistas como o divisor do pôquer de uma forma mais profissional no estado.

Porém, as boas perspectivas não escondem um grande problema, a falta de regulamentação do pôquer no Brasil. O diretor-executivo da CBTH explica que o momento é de dialogar com o governo para saber como regulamentar o pôquer no país, tributar a atividade, como operar o esporte no universo on-line, além de outras discussões. Ele, no entanto, avisa que é uma batalha longa. O caso do imposto sobre as premiações (tributadas em 27,5%) é o ponto mais debatido. Uma das soluções, segundo Alberoni Castro, seria colocar os gastos dos competidores junto com os lucros dos torneios e o pagamento do imposto seria sobre esse resultado. “Como o pôquer é ainda um esporte com volume pequeno de patrocinadores, o que ocorre é que o competidor é o maior investidor de si mesmo. E, ao final dos torneios, pode ocorrer da premiação empatar com os gastos, e ele ainda ter que pagar 27,5%.”

Para os competidores, debater a regulamentação é fundamental, mas há algo tão sedutor quanto as premiações e mais complexo do que todas as suas implicações – o viés psicológico talvez explique muito da popularidade do esporte. Por ser altamente competitivo e depender somente da habilidade do jogador, há o fator ego e a visibilidade que multiplicam ao cubo a autoestima. É o jogador estrategista que, seja no torneio ao vivo ou on-line, tem de se conhecer bem, ter disciplina, dedicação, e equilíbrio mental, até chegar ao oponente e tentar entendê-lo como a si próprio para blefar, ganhar o jogo. “É por isso que é tão comum o jogador dizer que seu maior adversário no pôquer é ele mesmo”, comenta Filipe Souza.

Fazer-se por si próprio, sem a indicação de ninguém, mas seguindo o seu próprio instinto e habilidade são os maiores orgulhos. Foi no Sierra que o empresário mineiro Filipe Bohmerwald Dutra de Morais, o Filipe BDM, 29, ganhou a etapa final do Bsop Belo Horizonte e premiação de 101 mil reais. Até os 24 anos, BDM nunca havia jogado pôquer, mas foi em casa, observando os cunhados André e Guilherme Sá, que tomou gosto e passou a se dedicar. “Estudei muito e colei nos meus cunhados”, conta. É considerado um jogador em ascensão. Há cinco anos como jogador profissional, BDM é a cara do atual pôquer no Brasil. Explica-se, o maior público dos torneios hoje existentes no mundo é formado por jovens de 20 e poucos anos. Uma das possíveis argumentações foi a explosão do esporte na internet e nos jogos on-line. Mas todos fazem questão de frisar que o pôquer é extremamente democrático – mulheres já começam a se sobressair, além de estar aberto a todos os tipos de público. “É um esporte que abraça todo mundo, não limita ninguém”, afirma BDM.

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Sierra Poker: maior clube de Minas

Se você pensa no jogador de pôquer como o sujeito disposto a vender a alma por fichas no jogo, é porque não conhece a nova geração. BDM começou com torneios promocionais de 0,10, 0,50 centavos, até formar seu bankroll, que na linguagem específica quer dizer o montante de dinheiro que cada jogador possui. Em três meses, estava com mil dólares. “Construí meu caixa sozinho”, diz orgulhoso. Ganhou, nesses anos, 250 mil reais e conseguiu abrir uma empresa no ramo ótico.
Mas, calma lá, antes de, animado, ir à caça e procurar os maiores sites de pôquer on-line. “Não é fácil ganhar dinheiro no pôquer”, avisa Marcelo Souza, editor da Card Player, uma das poucas revistas especializadas do país, editada em Belo Horizonte e com tiragem de 20 mil exemplares. É preciso dedicação e muito estudo para se sobressair. Não é à toa que há uma vasta biografia sobre pôquer, seguida por milhares de páginas on-line, entrevistas com grandes jogadores, tutoriais. O sucesso no pôquer vem, explica Souza, em longo prazo, com experiência, competição em diversos torneios, leitura, treinamentos. “O pôquer é até fácil de ser aprendido, dominá-lo é que é difícil.”

O também jogador em ascensão Vinícius de Paula Rodrigues, o Ganso, 23, é disciplinado. São oito horas diárias de trabalho, quando chega a jogar a média de 120 torneios on-line por dia – são 50 mil torneios em três anos como profissional. Ele, que vive em Sete Lagoas, conheceu o pôquer quando prestou atenção no filme Cassino Royale, em 2006. Algum tempo depois, aos 20 anos, resolveu se dedicar e estudar. O pai e os irmãos foram contra, a mãe deu força por achar que o esporte tinha tudo a ver com o filho. O divisor na carreira foi o primeiro lugar no torneio Sierra 100K, no ano passado, quando ganhou 25 mil reais. “Tive reconhecimento da minha família e agora vejo que as pessoas não me olham mais com estranheza, mas, sim, com interesse por ver ali um cara que sobrevive do pôquer”, diz.

Ganso trabalha cinco, seis dias por semana. Acorda, se organiza, treina kickboxing. Praticar algum esporte de alto gasto de energia é muito comum entre os jogadores de pôquer, para equilibrar o intenso desgaste mental de um jogo. Com alta habilidade nos torneios on-line, o sonho é começar a participar mais dos torneios ao vivo em todo o mundo. “Acho que até o final do ano começo a competir.”

Como é cada vez mais comum essa migração do on-line para o ao vivo, muitos dos competidores procuram ajuda profissional, o famoso coach. É o momento de pedir ajuda quando se sai da fase da internet, com um jogo baseado muito mais nas cartas, e passa ao cara a cara com o adversário, e a ter como parâmetros os sinais, a voz e as maneiras de apostar, juntamente com a habilidade de cada um. Aliás, qualquer jogador pode procurar coach ou escola on-line de pôquer para aprimorar seu jogo. É aí que entra em campo o empresário e engenheiro civil Alexandre Ioda Ferreira que teve sua história no pôquer iniciada em 2009. Ele, que sempre gostou muito de jogos, se encontrou no pôquer por causa, a princípio, da lógica, do desafio, da estratégia, e depois de todos os meandros que envolvem os torneios. Foi o vencedor do campeonato mineiro em 2011.

Apesar de dirigir, junto com o avô, uma empresa familiar, e não pensar de jeito nenhum em dedicar-se exclusivamente ao pôquer, Ioda é um apaixonado que se aprofundou e hoje é mediador do MaisEV, o maior fórum sobre o esporte do Brasil, e diretor da Federação Mineira de Texas Hold’Em. Teve uma escola on-line em que dava aulas via skype, até que o amigo Léo Costa pediu uma aula presencial. O resultado é que Costa ficou em quarto lugar no Bsop 2012. A procura de outros jogadores foi imediata. “Não tem um curso pronto, o meu método é conversar, saber o que a pessoa quer para, a partir daí, criar algo bem personalizado”, observa.

Adepto do cash game, em que o jogador, em vez de fichas, aposta dinheiro, Ioda faz uma reflexão sobre o preconceito que ainda persegue o pôquer, principalmente quando a mística é de que se pode perder tudo em um segundo. Para ele, não importa qual o tipo de jogo, se o competidor não souber qual é o seu momento, de que perder também faz parte, e ter maturidade. E, nesse quesito, a maioria dos jogadores brasileiros é bem consciente de seus limites.

“Acho que agora é fazer o pôquer crescer no Brasil. Estamos bem defasados em relação a outros locais do mundo”, explica Ioda. Perguntado se ainda demora muito para chegarmos ao nível de países como os Estados Unidos, onde o jogo se popularizou no século 19, ele diz que não. “Estamos chegando lá. Há pessoas muito inteligentes jogando pôquer no Brasil.”

A questão da popularização também está de vento em popa. É mais comum do que se imagina amigos reunirem-se na sala da casa de algum para jogar pôquer e, pouco tempo depois, terem de alugar sala, tamanho o crescimento do grupo. Este foi o caso do BHPoker, iniciado em 2007 com a reunião de 16 amigos. Como tinham uma só mesa e um dia para jogar, acabava que sempre alguém ficava de fora. “Tentamos o e-mail para solucionar o problema, mas não deu. Então, resolvemos criar site para, a partir de uma inscrição on-line, todos terem controle de quais seriam os jogadores da vez”, diz o analista de sistemas Alex Lemos. Alugaram sala no bairro Funcionários e tiveram que se mudar para o Barro Preto. Hoje têm 1.200 associados, que se revezam para jogar nas terças e quintas-feiras, quando o BHPoker está aberto. O mais interessante é que ninguém quer largar a profissão pelo pôquer, nem por isso são menos apaixonados.

Fazem questão de estar nos maiores eventos do Brasil e do mundo. Lemos, por exemplo, quer ir até Las Vegas para jogar torneios na cidade que é o berço do pôquer no mundo. Será a chance de reforçar algo que está se tornando cada vez mais recorrente – a energia do brasileiro no pôquer. Em meio à seriedade e controle, o brasileiro faz torcida para seus jogadores e a festa é inevitável ao final dos torneios, vide o que ocorreu com André Akkari, quando, em 2011, ganhou o Wsop Evento #43. “O brasileiro está mostrando o que consegue fazer”, diz Lemos. Então, mundo, se prepare, porque o que não falta é energia para essa turma assumir seus lugares nas mesas finais dos maiores torneios do planeta.

Fonte: http://www.revistaviverbrasil.com.br